Escrever, pra mim, sempre foi assim: pensar, sentir, passar para o papel. É a minha alma ali. Se emociono, bom. Se não, bom também. Ninguém é igual a ninguém, e é isso que faz o mundo ser o que é. Posso falar o mesmo que muita gente, mas não falo igual. Carrego ali o meu sentimento, a minha alma, e é isso que me torna diferente, porém com as mesmas palavras de outrem.
Se existem duas coisas que ninguém pode tirar de você, estas são sonhos e pensamentos. Falar bonito e eloquentemente não é falar bem. Palavras bonitas são as que vêm de dentro. Você pode não usar as palavras consideradas certas, mas são “suas”.
O texto a seguir é um diálogo presente num emprego ingrato. Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.
***
– Bom dia, Sr. X. Queira se sentar, por gentileza. Bom, conforme adiantei por telefone, convoquei essa reuniãozinha com o senhor para conversarmos a respeito de seus textos. Li todos eles durante essa última semana.
– Ah, sim, que ótimo. E o que achou? Estão bons?
– Bom, tenho algumas observações, e também umas sugestões para fazer.
(Neste momento, a senhora pega suas anotações. Um bloquinho de cerca de 30 páginas)
– Seu texto tem alguns probleminhas no começo... uns no meio... e mais alguns no fim, mas nada que não possa ser resolvido.
– Nossa... tudo isso? Meu texto inteiro está com problemas?
– Como eu falei, são problemas pequenos, nada que nossa bela e descontraída conversa, de R$100,00 a hora, não possa resolver.
– Puxa vida, R$100,00? A senhora não havia comen...
– Bom, comecemos com este trecho aqui: “Era uma vez...”
– Ah, sim, o começo do meu texto...
– Você deveria trocar essa frase, ela é muito clichê.
– Mas era essa a intenção. Uma história que parece comum e igual, mas que toma um rumo totalmente diferente e surpreendente.
– Mas coisas assim não vendem mais livros, meu querido. A tendência agora é ser original.
– Mas vender livros não é o meu objetivo principal. Eu quero tocar as pessoas que lerem com as palavras que vierem à minha mente.
– Então por que veio até mim?
– Eu pensava que você só iria me auxiliar com o enredo, e não mudar tudo o que eu escrevi.
– Claro que isso faz parte, mas há coisas que também é de minha obrigação recomendar. Certo, então faremos assim: deixaremos o “era uma vez...”, porém o deixaremos com outras palavras. Que tal “numa época longínqua”?
– Mas eu acabei de dizer que...
– É um termo atual e não muito utilizado, mais original. Vai por mim, será melhor para o senhor.
– Que seja...
– Ótimo! Sabia que iríamos chegar a um consenso. A propósito, completamos uma hora. Continuando...
– Não! Vamos fazer o seguinte... tenho uns compromissos para esta tarde, então... eu ligo! Marquemos para um outro dia.
– Deixa eu só pegar a minha agenda...
– Não! Eu ainda não sei o dia, preciso checar a minha agenda. Mas pode ficar tranquila, te ligo.
– Tudo bem, então. Fico no aguardo.
– Agora preciso ir, foi um prazer encontrar-me contigo.
– O prazer foi meu. Creio que nossos próximos encontros nos renderão muito bons frutos. E por falar nisso, nosso encontro resultou em R$125,00.
– Esses últimos minutos contaram?
– Sim, claro. O pagamento será em cheque ou dinheiro? Só um minuto, o telefone está tocando. Ladra de almas, bom dia...
2 comentários:
sonhos são somente nossos, não deixemos nenhuma ladra carrrega-los...
otimo texto, mais uma vez hehehe.
"Escrever, pra mim, sempre foi assim: pensar, sentir, passar para o papel. É a minha alma ali." Com certeza, miss. Você consegue fazer isso e muito bem! Parabéns. Texto lindo. E acho que posso dizer que compartilho do mesmo sonho... um dia conseguiremos... ahhhhhh conseguiremos! :P
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